domingo, 26 de abril de 2009



Vou postar um artigo da Fernanda Young que me trouxe alívio por não estar sozinha no mundo. rsrs
      

Hamlet em um domingo até que razoável

Artigo da Fernanda Young na Revista O Globo de 26abr d 2009.

Chove desde cinco da tarde e eu devia estar satisfeita. Não é o que acontece pois tem uma festa de criança no prédio do lado. Torço por um domingo com chuva, mas imaginar um bando de criancinhas socadas num salão fechado, tendo pula-pulas ensopados do lado de fora, tudo por minha culpa, estraga meu momento. Não tanto quanto a trilha sonora da festa, que vem violentando meus ouvidos há horas. Então, acho, estamos empatados. Eu e as criancinhas. Posso me deliciar com a reconfortante sensação de que não há nada mesmo para fazer nesse domingo chuvoso, e elas estão perdoadas pelo terrível gosto musical. Quites. Todos com as suas devidas razões para estarem levemente aborrecidos com as coisas. No meu caso específico, aborrecimento, não é nem o termo, já que sofro dessa síndrome, rara, de detestar finais de semana. Assim, se começo minha ladainha, dificilmente paro antes de enumerar tudo o que há de insuportável nos dias. E receio ser tarde demais para evitar o assunto, agora que já usei adjetivos tão definitivos e rabugentos. Não custa, entretanto, antes, tentar me explicar: não, não sou inspirada pelo mal-estar. Jamais me permitiria ao vão masoquismo de cultivar dores para ser criativa. É claro que eu adoraria estar refestelada em alguma canga, enchendo o quengo de caipirinha, sem me importar se a música que preenche os espaços entre os corpos besuntados de protetor solar é vulgar, ou estimula ritmos que balançam panças e bundas frouxas, sexualizando o que há de menos sensual no mundo. Seria muito mais fácil lidar com o meu natural tédio domingueiro, caso conseguisse me agrupar em churrascos, eu sei. Mas se eu seria, dessa forma, mais ou menos feliz, não sei. Tornar-me um organismo que se adapta, tipo o que comemora gols em bares, faria de mim alguém que prefere domingos ensolarados? Seria eu mais feliz se não fosse a que sou, virando adepta do coltivo festivo? Haveria menos infelicidade, em mim, se eu não percebesse as injúrias cometidas, ou as traições dos interesseiros, e tudo o que o tempo traz de doloroso? Será que, para escapar da dor, devo logo abraçar a euforia da simples alegria de viver, e sair cantando refrões tolos pela própria felicidade da tolice?

Não, obrigada. Prefiro o tédio total ao conformismo preguiçoso da solução pelo coletivo. Prefiro nunca mais ir a festas do que me embriagar da burrice que alivia. Mil vezes carregar na alma esse vazio, do que tentar moldar situações, e pessoas idiotas, que caibam, por tempo limitado, nesse espaço vago. Que todos tem de nascença, ninguém escapa, pois, ora bolas, o que dói mesmo é ser sozinho no mundo, e isso é o que todos somos.

Porque amo tanto meu país, minha língua, é que me assusto com a capacidade de nos desviarmos do que é premente. Muita alegria escancarada nessas bocas, sabe? Alguém mais se incomoda com isso, além de mim? Heim? É muito triste sentir-se um espírito-de-porco, em meio a um exército de contentes.

Por exemplo, essas pessoas que fazem dos seus ciclos de separações e casamentos notícias que impulsionam o trabalho. Não pode. A não ser, claro, que o seu trabalho seja de se casar e se separar. Uma restrição de ordem da estética, não ética. É simplesmente feio ficar anunciando o encontro de almas gêmeas que dura menos que uma novela. Não é legal com aqueles que ainda acreditam nessas máximas românticas. Com os humanos normais, que sofrem o término das relações, e se deparam com a facilidade com que nossas celebridades curam suas feridas. Mais uma vez, penso, será que só eu reparo nisso? Gente, eu estou até hoje tentando me recuperar do término do meu primeiro namoro. E esse povo bronzeado e feliz já está, pela centésima vez, anunciando ter encontrado o verdadeiro amor, na orla da praia! Sério: o problema é comigo? Só eu que não sei jogar frescobol nesse país? Só eu estou atordoada por tentar educar crianças honestas, numa cultura que premia o oposto?

Enfim, e se me fosse ofertada a chance de não sofrer qualquer dor, aliviando os conflitos que a vida me trouxe, os amores que me largaram, e deixaram mágoas tatuadas n’alma, e consequente solução para o tal buraco que n’alma é feito? Antes de aceitar, hesitaria, como um Hamlet desajeitado: caso seja através da lâmina fria de um punhal, o.k., mas se for para ficar anestesiada em meio ao coro dos contentes histéricos, jamais.

É preciso dor para ser feliz sem ser idiota.

Um comentário:

A dona da Torre disse...

Adoro esse mau humor racional!!

Bjus